quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Indicado a dois Oscar, George Clooney transita entre a arte e a política

Redação do DIARIODEPERNAMBUCO.COM.BR

George Clooney e Barack Obama trocavam conselhos quando, certa vez, o papo descarrilou para um assunto delicado: cinema. O presidente dos Estados Unidos, impressionado com os comentários sobre o filme mais recente do astro, o drama político Tudo pelo poder, queria exibir o longa-metragem em uma cerimônia de gala, na Casa Branca. No que o ator, em um rompante bem-humorado, decretou: “Absolutamente não”. Num acordo de cavalheiros, o alto escalão do governo foi poupado de uma sessão que certamente provocaria constrangimento entre as lideranças. “O filme não tem mocinhos ou vilões. Não oferecemos respostas. O objetivo é que o público decida sobre o que acha certo e o que considera errado”, comentou, ao The New York Times.

Clooney narrou a conversa com Obama para explicar o tom crítico do filme, que coloca em xeque o bom mocismo dos democratas ao investigar os jogos eleitoreiros em uma campanha de pré-candidatura à presidência. Mas a cena, indiretamente, indica algo mais importante sobre o próprio ator: na cultura pop norte-americana, poucos são os ídolos que transitam com tanta naturalidade entre política e arte, ativismo e entretenimento. Aos 50 anos, Clooney é um dos homens públicos mais influentes dos EUA — e, como se nada disso bastasse, uma das celebridades de maior prestígio da temporada. Favorito ao Oscar de melhor ator (por Os descendentes, em cartaz nos cinemas), ele recebeu indicação também pelo roteiro adaptado de Tudo pelo poder, coescrito com Grant Heslov e Beau Willimon.

Para medir o poderio do galã, vencedor da estatueta de coadjuvante em 2006 por Syriana, a mídia recorre a slogans que provocariam inveja a qualquer candidato em véspera de eleição. Ele é o “último astro de cinema” (segundo a Time), o “mais sexy do mundo” (escolhido em dois rankings da revista People) e “o último homem americano” (para a Vanity Fair). “A América projeta ao mundo dois tipos de poder: o pesado, representado por tanques, jatos e mísseis; e o suave, que é, no momento, George Clooney”, definiu o escritor Rich Cohen, em um perfil escrito em 2006 para a Vanity Fair. O que Cohen talvez não desconfiasse naquela época era que esse batalhão solitário se tornaria, com o passar do tempo, cada vez mais eficiente. Em 2012, o ator representa o desejo americano de se reerguer economicamente, e de simular um retorno a uma era mais romântica.

Clima de nostalgia

Não deve ser tomado como coincidência, por isso, o domínio de Clooney numa cerimônia do Oscar que celebra a nostalgia por uma velha Hollywood. Os dois filmes mais cotados ao prêmio principal — A invenção de Hugo Cabret e O artista — reencenam graciosamente o passado da indústria do cinema. “Clooney é o último velho astro hollywoodiano”, definiu Cohen, com precisão. A característica que o aproxima de ídolos da famigerada “era de ouro”, como Clark Gable e Gregory Peck, é a capacidade de imprimir uma imagem de justeza, maturidade e ética a cada papel que interpreta. “Clooney é sempre Clooney: um astro à antiga porque não se deixa diluir pelos personagens”, resumiu o jornalista.

Talvez por confundir personagem e ator, o público norte-americano aprendeu a tratar Clooney respeitosamente. Raramente invade a vida particular do astro, monitorada com discrição total. Os paparazzi, ainda que sempre curiosos a respeito dos flertes do solteirão (que, desde julho de 2011, namora a atriz, modelo e ex-lutadora Stacy Keibler), também entendem que ele prefere ser flagrado em missões humanitárias para amenizar as consequências da guerra civil em Darfur, no Sudão. Viagens que, aliás, nem sempre terminam em apertos de mão bem internacionados. Em 2008, quando foi à Itália pedir a Silvio Berlusconi que enviasse helicópteros de socorro ao país africano, se viu envolvido numa polêmica internacional. Segundo uma adolescente que acusou o primeiro-ministro de tê-la abusado sexualmente, Clooney teria frequentado uma das festas agitadas do político. O astro negou.

América pela lente

O cotidiano do ator, no entanto, muito raramente rende assunto para as páginas políticas de jornais. Sem vocação para Ronald Reagan, Clooney prefere comentar a América em filmes e documentários. No caso de Tudo pelo poder, indicado também ao Globo de Ouro de melhor drama, ele acumula as funções de diretor, produtor, ator e roteirista. Já na crônica Os descendentes, de Alexander Payne, empresta os cabelos grisalhos a um cinquentão em crise, que tenta restaurar laços familiares após uma tragédia doméstica. Os personagens que encena nos dois filmes resumem o alcance da interpretação do ator, capaz de convencer tanto no papel de um homem comum, melancólico e por vezes desengonçado, quanto no figurino de um político que conquista a admiração de toda uma equipe. E a escolha de papéis, cada vez mais atenta, hoje evita erros como o carnavalesco Batman e Robin, 1997.

A intimidade com a maquinaria de Hollywood, que ele usa para ampliar o alcance e garantir a sobrevivência dentro de uma indústria eternamente encantada pela juventude, vem de berço: filho do jornalista e apresentador de tevê Nick Clooney e sobrinho da cantora Rosemary Clooney, uma das mais famosas dos anos 1950, o menino de Kentucky, que amava beisebol e cinema, conheceu o sucesso muito cedo e o experimentou tarde — aos 30, na série de tevê Plantão médico, depois de um punhado de papéis pequenos em seriados. Quando o pai resolveu se candidatar, em 2004, o filho sentiu “o sabor amargo” de uma campanha política. “Percebi que não há como entrar na política sem se comprometer exageradamente”, afirmou. Daí a inspiração para Tudo pelo poder, adaptado de uma peça teatral.

O longa é o quarto que ele dirige. Antes, foi indicado ao Oscar por Boa noite e boa sorte (2005), que presta homenagem a um dos ídolos do pai, o jornalista de tevê Edward R. Murrow, experimentou o filão esportivo (O amor não tem regras, de 2008) e uma cinebiografia corrosiva (Confissões de uma mente perigosa, de 2002). No próximo projeto, vai tratar do roubo de obras de arte na Segunda Guerra Mundial. Mais um grande tema para a galeria do ator, que é sempre questionado sobre questões atuais dos EUA. Para a imprensa americana, a opinião de Clooney sobre o governo Obama (cuja candidatura ele apoiou, depois de se opor contra Bush) é tão importante quanto um “insight” sobre cinema. Seria esse um indício de que o astro planeja uma carreira mais, digamos, ambiciosa? “Nunca me elegeria a cargo público. Até porque o meu trabalho é muito, muito mais divertido”, garantiu, à Time. Votos, é claro, não faltariam.

Por Tiago Faria, do Correio Braziliense

Fonte: Pernambuco.com

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