Série se despede entre erros e acertos
Érico Borgo
A divisão de Harry Potter e as Relíquias da Morte em duas partes deu ao primeiro filme um ritmo nada usual (e louvável) em filmes de grande orçamento. A excepcional Parte I entregou a ação para Harry Potter e as Relíquias da Morte - Parte 2 de forma acelerada, tornando o último longa-metragem que adapta a série literária também diferente em estrutura. Trata-se, afinal, de uma longa catarse fragmentada por momentos de respiro.
São várias cenas de ação separadas pelos momentos de drama pessoal de Harry Potter (Daniel Radcliffe, em seu melhor momento), que precisa lidar com a consciência de que seu levante contra as forças de Voldemort (Ralph Fiennes) está matando seus amigos. Para cada vitória, cada Horcrux encontrada e eliminada, ele se despede de um aliado. Tais momentos são verdadeiros em emoção - funcionam para o fã (ouviam-se soluços na exibição a cada instante desses), mas também ao "trouxa" - e são bem-sucedidos ao explorar ótimos personagens esquecidos dos filmes anteriores. A Professora McGonagall (Maggie Smith), por exemplo, tão importante nos primeiros filmes e relevada aos bastidores nos mais recentes, assume posição de destaque, assim como Neville Longbottom (Matthew Lewis), o professor Flitwick (Warwick Davis) e tantos outros.
A primeira metade do filme, conduzida com esmero por David Yates, é irretocável. Desde a invasão do Banco de Gringotes, em que a representação do dragão é inspiradíssima (uma verdadeira aula de como se contar uma história através dos detalhes), até a mobilização da defesa da Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts. Nela, estudantes e professores se estruturam em determinada expectativa pelo ataque dos exércitos de Voldemort, que atacam em sequências de batalha muitas vezes violentas e sem receio de mostrar cadáveres e sangue (tanto que por pouco a classificação etária do filme no Brasil não subiu para 14 anos). Tudo em um ótimo, ainda que convertido, 3-D estereoscópico que trabalha muito bem a ambientação e os momentos de deslumbramento.
Até aí, tudo perfeito. O grande desfecho, porém, desmorona perante a imaginação do leitor. Cenas importantes, como a morte de Belatriz Lestrange (Helena Bonham Carter), estão entre as piores. Essa, especificamente, entra sem qualquer antecipação dramática e perde-se assim um dos grandes (e mais aguardados) momentos da saga. Outra que pareceu apressadíssima é a volta de Harry Potter, que rola do colo de Hagrid (que estava onde mesmo?) em uma cena quase inadvertidamente cômica. Com o discurso de Neville acontecendo simultaneamente, escapa aos realizadores uma bela oportunidade de criar uma elipse ali, remover alguns embates vazios que ocorrem a seguir, e trazer o final ao momento que parecia pronto para recebê-lo.
Assim, o final é falho justamente ao não se permitir, como todos os longas anteriores fizeram, desvios em relação à obra original. Não é tudo que funciona nas páginas que fica ideal nas telas, especialmente neste momento climático. A adaptação erra ao não usar a antecipação dos fatos conhecidos do livro corretamente. Se quase toda a audiência já sabe o que virá a seguir (um sujeito perto de mim no cinema recitava as falas), por que não alterar seu caminho para ampliar a surpresa, o drama e seu desfecho?
Ao fã que já vai ao cinema esperando o jogo ganho (em nota pessoal, o que mais recebo são e-mails de leitores exigindo nota máxima antes de sequer assistir ao filme), Harry Potter e as Relíquias da Morte - Parte II deve, claro, funcionar a contento. Nada mais justo, afinal trata-se de uma das séries mais respeitosas a seu material original, que ao mesmo tempo buscou inovar com cineastas diferentes e apresentar ao grande público visões distintas de uma história. Mas se a série literária teve como grande contribuição o despertar de toda uma geração pela leitura e até a criação de suas próprias histórias (Harry Potter é campeã online de fanfics), que os filmes - seus erros e acertos - também tenham seu papel como formadores e sirvam como oportunidade para o público refinar o olhar, de refletir sobre aquilo que está consumindo.
Fonte: Omelete
Érico Borgo
A divisão de Harry Potter e as Relíquias da Morte em duas partes deu ao primeiro filme um ritmo nada usual (e louvável) em filmes de grande orçamento. A excepcional Parte I entregou a ação para Harry Potter e as Relíquias da Morte - Parte 2 de forma acelerada, tornando o último longa-metragem que adapta a série literária também diferente em estrutura. Trata-se, afinal, de uma longa catarse fragmentada por momentos de respiro.
São várias cenas de ação separadas pelos momentos de drama pessoal de Harry Potter (Daniel Radcliffe, em seu melhor momento), que precisa lidar com a consciência de que seu levante contra as forças de Voldemort (Ralph Fiennes) está matando seus amigos. Para cada vitória, cada Horcrux encontrada e eliminada, ele se despede de um aliado. Tais momentos são verdadeiros em emoção - funcionam para o fã (ouviam-se soluços na exibição a cada instante desses), mas também ao "trouxa" - e são bem-sucedidos ao explorar ótimos personagens esquecidos dos filmes anteriores. A Professora McGonagall (Maggie Smith), por exemplo, tão importante nos primeiros filmes e relevada aos bastidores nos mais recentes, assume posição de destaque, assim como Neville Longbottom (Matthew Lewis), o professor Flitwick (Warwick Davis) e tantos outros.
A primeira metade do filme, conduzida com esmero por David Yates, é irretocável. Desde a invasão do Banco de Gringotes, em que a representação do dragão é inspiradíssima (uma verdadeira aula de como se contar uma história através dos detalhes), até a mobilização da defesa da Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts. Nela, estudantes e professores se estruturam em determinada expectativa pelo ataque dos exércitos de Voldemort, que atacam em sequências de batalha muitas vezes violentas e sem receio de mostrar cadáveres e sangue (tanto que por pouco a classificação etária do filme no Brasil não subiu para 14 anos). Tudo em um ótimo, ainda que convertido, 3-D estereoscópico que trabalha muito bem a ambientação e os momentos de deslumbramento.
Até aí, tudo perfeito. O grande desfecho, porém, desmorona perante a imaginação do leitor. Cenas importantes, como a morte de Belatriz Lestrange (Helena Bonham Carter), estão entre as piores. Essa, especificamente, entra sem qualquer antecipação dramática e perde-se assim um dos grandes (e mais aguardados) momentos da saga. Outra que pareceu apressadíssima é a volta de Harry Potter, que rola do colo de Hagrid (que estava onde mesmo?) em uma cena quase inadvertidamente cômica. Com o discurso de Neville acontecendo simultaneamente, escapa aos realizadores uma bela oportunidade de criar uma elipse ali, remover alguns embates vazios que ocorrem a seguir, e trazer o final ao momento que parecia pronto para recebê-lo.
Assim, o final é falho justamente ao não se permitir, como todos os longas anteriores fizeram, desvios em relação à obra original. Não é tudo que funciona nas páginas que fica ideal nas telas, especialmente neste momento climático. A adaptação erra ao não usar a antecipação dos fatos conhecidos do livro corretamente. Se quase toda a audiência já sabe o que virá a seguir (um sujeito perto de mim no cinema recitava as falas), por que não alterar seu caminho para ampliar a surpresa, o drama e seu desfecho?
Ao fã que já vai ao cinema esperando o jogo ganho (em nota pessoal, o que mais recebo são e-mails de leitores exigindo nota máxima antes de sequer assistir ao filme), Harry Potter e as Relíquias da Morte - Parte II deve, claro, funcionar a contento. Nada mais justo, afinal trata-se de uma das séries mais respeitosas a seu material original, que ao mesmo tempo buscou inovar com cineastas diferentes e apresentar ao grande público visões distintas de uma história. Mas se a série literária teve como grande contribuição o despertar de toda uma geração pela leitura e até a criação de suas próprias histórias (Harry Potter é campeã online de fanfics), que os filmes - seus erros e acertos - também tenham seu papel como formadores e sirvam como oportunidade para o público refinar o olhar, de refletir sobre aquilo que está consumindo.
Fonte: Omelete
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