Há quem diga que a expectativa é a mãe da frustração. Sendo assim, pode-se dizer que em
X-Men: Primeira Classe, mãe e filho tiveram, desta vez, um pequeno desentendimento. Porque mesmo depois da desnecessária sobrecarga de vídeos, trailers e fotos do filme, tudo que os fãs esperam dessa produção, eles possivelmente terão de volta. Em dobro. O retorno dos mutantes ao cinema traz de volta aquilo que o primeiro e segundo filme
X-Men souberam fazer tão bem: alinhar roteiro inteligente e personagens críveis em sua ficção com a cota das boas cenas de ação. E isso tudo sem carecer que o espectador use óculos escuros para enxergar melhor.
Mas antes que levemos tudo muito a sério: sim, estamos falando de mais um produto comercial que, ao dar o "reset" no cinema desses famosos super-heróis da editora
Marvel, vislumbra um novo mundo de bonecos, cadernos escolares, camisas e bonés para que alguns indivíduos fiquem mclanche feliz de ricos. Cientes de que estamos falando de mais uma tentativa de resgatar super-heróis que, não fosse o cinema, estariam mendigando trocados nas ruas, é preciso dizer que
X-Men: Primeira Classe aprendeu direitinho a lição dos primeiros socorros e ressuscitou esses mutantes do limbo das franquias que começam bem e terminam bem mal.
Considere então que, assim como o próximo
Homem Aranha a chegar aos cinemas, este filme começa tudo do zero. Ou melhor, começa um pouco antes do zero. Os mutantes mais famosos da série
X-Men são resgatados aqui desde sua infância até os primeiros anos de suas vidas adultas. Portanto, agora eles são como aquela música do extinto Supergrass: jovens de dentes limpos e, acima de tudo, estranhos em seu próprio mundo. Estamos falando do nascimento dos primeiros grandes heróis e vilões da série e, portanto, da origem das principais características físicas e psicológicas que os fizeram como os fãs os reconhecem.
O diretor Matthew Vaughn, capitaneado pela produção de Bryan Singer (diretor dos dois primeiros e excelentes
X-Men no cinema), soube usar a seu favor o trunfo das matrizes de cada sujeito do filme. Assim, transformou a construção dos personagens na história em si. Faz isso usando a habilidade dos atores que tem em mãos. Kevin Bacon se une a Heath Ledger (Coringa em 2008) e Gene Hackman (Lex Luthor em 1978) na lista dos melhores vilões dos quadrinhos no cinema. James McAvoy nos seduz com um brilhante, charmoso e vaidoso professor Xavier. Quanto a Michael Fassbender, esse daí não somente capta todo o sentido do controverso Magneto, como sustenta em suas costas a grande tensão dramática de toda a saga
X-Men: quão iguais podem ser os diferentes?
A história começa em um campo de concentração na Polônia, onde somos apresentados a Erik Lehnsherr, um menino judeu que, separado à força de sua mãe, consegue com sua ira dobrar uma grade de ferro. A cena é assistida por um misterioso personagem que, logo se descobre, responde pelo nome de Sebastian Shaw, aqui travestido de nazista. Impressionado com a habilidade da criança, Shaw usa a mãe de Erik como cobaia para uma experiência com os poderes do rapaz. E as repercussões dessa cena serão, como é de se imaginar, desastrosas.
Enquanto isso, em uma mansão confortável, limpa e lustrada, o pequeno Charles Xavier se encontra pela primeira vez com um dos seus. Uma, na verdade. A pequena Raven, que naturalmente surge na imagem de outra pessoa, logo se torna uma quase irmã de Charles, ainda que ele relute em vê-la em sua natureza original, a da pele azul escamada tão estranha ao modelo humano de representação do corpo. E essa introjetada rejeição de Charles ao que não é humanamente compatível vai lhe custar caro.
Essa introdução é suficiente para dar o tom do filme e, depois da passagem de tempo, veremos uma história de interessantes encontros entre o Xavier de McAvoy, a jovem e inquieta Raven da talentosa Jennifer Lawrence, e o Erik de Fassbender. Juntos, eles passam a trabalhar para um programa do governo americano que, para Xavier, representa um possível elo ideológico com os humanos, mas para Erik, significa a chance de vingar sua infância. Seu foco, naturalmente, é o Sebastian Shaw do assustador Kevin Bacon.
Sem soltar detalhes da trama, dá apenas para dizer que o filme sabe criar a atmosfera dos quadrinhos não apenas nos elementos facilmente identificáveis pelos fãs, mas particularmente no ritmo ágil sem ser afobado, e no senso de humor engraçado sem ser raso. Para os bons conhecedores da saga, basta dizer que o Clube do Inferno comandado por Shaw é por demais "cool", e que o primeiro test-drive no Cérebro - o GPS que Xavier usa para rastrear mutantes ao redor do mundo - é graficamente rico.
Para os não iniciados, a diversão está garantida nas passagens de tempo que vão dar conta do recrutamento de novos mutantes, no novo batismo deles (Raven vira Mística e Erik ganha o apelido de Magneto) e do treinamento dos mesmos, no começo daquilo que virá a ser a escola do Professor Xavier. E sim, nestes dois momentos, há espaço para boas piadas, quase sempre tão britânicas quanto Charles. Sem contar, claro, com algumas sensacionais participações especiais de atores que já passaram pela saga no cinema.
É possível dizer que, bem mais do que outras adaptações que tentaram decalcar os quadrinhos para o cinema,
X-Men: Primeira Classe ganha pontos justamente por saber fazer uso do termo "adaptação". Ainda que não se mantenha fiel a vários elementos que estão na origem dos personagens das HQs, o filme cresce quando extrai desses mesmos personagens o seu extrato dialético entre ser tolerante com os diferentes, ou ser igual aos intolerantes. Basicamente o grande problema da humanidade hoje.
Fonte: Cinema & DVD - Terra