Completo em seu minimalismo e surpreendente em suas atuações. Bem vindo ao Cinema.
Jader Santana
É espantoso ver o resultado final de um projeto de filme cujo argumento central gira em torno de um fato prosaico da realeza britânica. Passando longe das sequências épicas de “Elizabeth” e dos momentos que voltaram a atenção do mundo para o Palácio de Buckingham, como em “A Rainha”, a trivialidade da temática de “O Discurso do Rei” não parecia suficiente para a realização de um filme completo. Contudo, não seria precipitado dizer que a família real está diante do mais admirável representante de sua linhagem.
Não se anime para acompanhar cenas surpreendentes dos bastidores reais. O diretor também não revela aquele diálogo, capaz de abalar as estruturas inglesas, travado na intimidade dos aposentos da família. Também não espere por um tratado sobre a Europa entre guerras. O mote do filme é inteiramente desvendado em seu título, direto e sem rodeios, simples como a sua proposta.
As dificuldades de expressão vocal de Albert Frederick Arthur George, pai da atual Elizabeth II, prejudicavam suas aspirações ao trono mais poderoso da Inglaterra e eram motivo de chacota entre familiares. Após assumir o lugar deixado por seu pai e renunciado por seu irmão mais velho, George precisa enfrentar um inimigo mais poderoso e sorrateiro que a Alemanha nazista: sua gagueira crônica. Desacreditado da medicina tradicional e cedendo às insistências de sua esposa, o novo rei decide se submeter aos métodos pouco ortodoxos de um médico desconhecido. Entre erros e acertos, disputa de egos e hierarquia mandada às favas, o resultado do tratamento é totalmente previsível, e nem por isso menos interessante.
Parte do êxito de “O Discurso do Rei” deve ser creditado ao trabalho do elenco formado por atores que, na ocasião, atingiram níveis extremos de realismo cênico. Helena Bonham Carter provou que funciona melhor quando se distancia dos tipos excêntricos criados por seu marido. A atriz vive a esposa do protagonista – naquele que talvez seja o papel mais convencional e reservado de sua carreira – e prova que seu talento não se limita ao burlesco. Geoffrey Rush causa arrepios por sua interpretação madura como o médico do rei e marca ponto de destaque em sua carreira estável e bem desenvolvida.
O grande nome do filme, e aqui assumo o favoritismo da maior parcela dos críticos, é Colin Firth, que deve estar rindo à toa pela escolha do provável papel pelo qual será lembrado por muito tempo. Com um trabalho consistente e visceral, Firth trouxe para “O Discurso do Rei” a parcela dramática que faltava em seu roteiro. A propriedade com que o ator representa o esforço do rei para driblar a gagueira causa inquietação no público e demonstra que nas mãos de outra pessoa o personagem dificilmente carregaria o peso dramático obtido por Firth.
Também surpreende o profissionalismo da direção de Tom Hooper, um inglês até então pouco conhecido no grande circuito comercial. Contrariando o que se espera de um cineasta jovem (ele tem 39 anos), o trabalho de Hooper tornou-se notável pelas influências clássicas que carrega. Todo o filme parece elaborado tendo em vista o convencionalismo da Era de Ouro de Hollywood, nos anos de 1970. Hooper consegue fazer um longa clássico – sem soar ultrapassado ou monótono – que deve agradar todas as parcelas de público. As características atribuídas por Hooper ao seu filme transformam “O Discurso do Rei” no melhor exemplar moderno de bom gosto.
Os enquadramentos e ângulos de câmera valorizam a aflição de Firth e aumentam a sensação de angústia e impotência vivida pelo rei. Com recursos ousados de close-up, a equipe de fotografia conseguiu efeito semelhante ao causado pelo modo como Carl Theodor Dreyer filmou a atriz Maria Falconetti no clássico “O Martírio de Joana D’Arc”.
Ainda merece destaque a trilha sonora de Alexandre Desplat, mais um nome na lista dos eternamente injustiçados pela Academia. O francês exibe nesse seu novo projeto o mesmo apuro sonoro demonstrado em “A Rainha” e “O Curioso Caso de Benjamin Button”. As melodias tocadas em piano renderam ao compositor sua quarta indicação ao Oscar e a minha sincera torcida.
É desnecessário apelar ao número de indicações aos grandes prêmios do cinema para demonstrar o êxito obtido aqui. Deixar as apostas dos críticos de lado é a melhor maneira de desfrutar essa grande obra-prima em sua totalidade. E falando em apostas, alguém duvida que a atual rainha Elizabeth soltou risinhos agradáveis entre uma xícara e outra de chá enquanto assistia à “O Discurso do Rei”?
Fonte: Cinema com Rapadura
Jader Santana
É espantoso ver o resultado final de um projeto de filme cujo argumento central gira em torno de um fato prosaico da realeza britânica. Passando longe das sequências épicas de “Elizabeth” e dos momentos que voltaram a atenção do mundo para o Palácio de Buckingham, como em “A Rainha”, a trivialidade da temática de “O Discurso do Rei” não parecia suficiente para a realização de um filme completo. Contudo, não seria precipitado dizer que a família real está diante do mais admirável representante de sua linhagem.
Não se anime para acompanhar cenas surpreendentes dos bastidores reais. O diretor também não revela aquele diálogo, capaz de abalar as estruturas inglesas, travado na intimidade dos aposentos da família. Também não espere por um tratado sobre a Europa entre guerras. O mote do filme é inteiramente desvendado em seu título, direto e sem rodeios, simples como a sua proposta.
As dificuldades de expressão vocal de Albert Frederick Arthur George, pai da atual Elizabeth II, prejudicavam suas aspirações ao trono mais poderoso da Inglaterra e eram motivo de chacota entre familiares. Após assumir o lugar deixado por seu pai e renunciado por seu irmão mais velho, George precisa enfrentar um inimigo mais poderoso e sorrateiro que a Alemanha nazista: sua gagueira crônica. Desacreditado da medicina tradicional e cedendo às insistências de sua esposa, o novo rei decide se submeter aos métodos pouco ortodoxos de um médico desconhecido. Entre erros e acertos, disputa de egos e hierarquia mandada às favas, o resultado do tratamento é totalmente previsível, e nem por isso menos interessante.
Parte do êxito de “O Discurso do Rei” deve ser creditado ao trabalho do elenco formado por atores que, na ocasião, atingiram níveis extremos de realismo cênico. Helena Bonham Carter provou que funciona melhor quando se distancia dos tipos excêntricos criados por seu marido. A atriz vive a esposa do protagonista – naquele que talvez seja o papel mais convencional e reservado de sua carreira – e prova que seu talento não se limita ao burlesco. Geoffrey Rush causa arrepios por sua interpretação madura como o médico do rei e marca ponto de destaque em sua carreira estável e bem desenvolvida.
O grande nome do filme, e aqui assumo o favoritismo da maior parcela dos críticos, é Colin Firth, que deve estar rindo à toa pela escolha do provável papel pelo qual será lembrado por muito tempo. Com um trabalho consistente e visceral, Firth trouxe para “O Discurso do Rei” a parcela dramática que faltava em seu roteiro. A propriedade com que o ator representa o esforço do rei para driblar a gagueira causa inquietação no público e demonstra que nas mãos de outra pessoa o personagem dificilmente carregaria o peso dramático obtido por Firth.
Também surpreende o profissionalismo da direção de Tom Hooper, um inglês até então pouco conhecido no grande circuito comercial. Contrariando o que se espera de um cineasta jovem (ele tem 39 anos), o trabalho de Hooper tornou-se notável pelas influências clássicas que carrega. Todo o filme parece elaborado tendo em vista o convencionalismo da Era de Ouro de Hollywood, nos anos de 1970. Hooper consegue fazer um longa clássico – sem soar ultrapassado ou monótono – que deve agradar todas as parcelas de público. As características atribuídas por Hooper ao seu filme transformam “O Discurso do Rei” no melhor exemplar moderno de bom gosto.
Os enquadramentos e ângulos de câmera valorizam a aflição de Firth e aumentam a sensação de angústia e impotência vivida pelo rei. Com recursos ousados de close-up, a equipe de fotografia conseguiu efeito semelhante ao causado pelo modo como Carl Theodor Dreyer filmou a atriz Maria Falconetti no clássico “O Martírio de Joana D’Arc”.
Ainda merece destaque a trilha sonora de Alexandre Desplat, mais um nome na lista dos eternamente injustiçados pela Academia. O francês exibe nesse seu novo projeto o mesmo apuro sonoro demonstrado em “A Rainha” e “O Curioso Caso de Benjamin Button”. As melodias tocadas em piano renderam ao compositor sua quarta indicação ao Oscar e a minha sincera torcida.
É desnecessário apelar ao número de indicações aos grandes prêmios do cinema para demonstrar o êxito obtido aqui. Deixar as apostas dos críticos de lado é a melhor maneira de desfrutar essa grande obra-prima em sua totalidade. E falando em apostas, alguém duvida que a atual rainha Elizabeth soltou risinhos agradáveis entre uma xícara e outra de chá enquanto assistia à “O Discurso do Rei”?
Fonte: Cinema com Rapadura
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