sábado, 10 de abril de 2010

Assisti CHICO XAVIER - 10/04/10






Crítica: Chico Xavier

Cinebiografia do médium brasileiro o humaniza em plena celebração de seu centenário

No inicio da década de 70 um programa entrou para a história da TV brasileira. Tratava-se de Pinga Fogo da extinta TV Tupi. Transmitido ao vivo, algo inédito para a época, tinha duração prevista de 60 minutos. Mas o convidado da edição de 28 de julho de 1971 fez o programa se estender por mais de 3 horas. Estava ali presente o médium, cristão e espírita Chico Xavier sendo sabatinado por jornalistas que tentavam desmascará-lo e apontá-lo como fraude. O carisma e a perspicácia de Chico em responder as perguntas, além de efetuar a primeira psicografia transmitida em rede nacional, ajudaram ainda mais na sua mitificação.

40 anos depois, uma nova obra audiovisual se propõe a humanizar o místico Chico Xavier, estreando justamente no dia em que este completaria 100 anos. O filme Chico Xavier (2010), com roteiro baseado na biografia do jornalista Marcel Souto Maior, As Muitas Vidas de Chico Xavier, se utiliza de trechos reconstituídos do Pinga Fogo como espinha dorsal da trama. Através de flashbacks, trechos da infância em Pedro Leopoldo no interior de Minas Gerais, da descoberta do dom da psicografia na juventude e a criação da Casa da Prece em Uberaba, todos os momentos chaves da história de Chico são balanceados com seus depoimentos no Pinga Fogo. Além disso, uma trama paralela de um casal que teve seu filho morto e aguarda por uma carta psicografada do garoto pelo médium também auxilia para que a história seja contada de uma forma convincente e sem uma linearidade temporal fixa.

Segundo o diretor do longa, Daniel Filho (responsável pelas comédias sucesso de bilheteria Se Eu Fosse Você 1 e 2), o personagem mais polêmico e, consequentemente, mais difícil de ser retratado, foi Emmanuel (André Dias), o guia espiritual que apenas Chico conseguia ver. Em uma cena cuja câmera sai do topo de uma cachoeira até os ouvidos do médium, literalmente entramos na sua cabeça e passamos a enxergar Emmanuel como ele o via e descrevia: manto branco, sandálias de couro marrom, aparência jovial e séria. As melhores passagens de Chico Xavier são justamente os diálogos de alívio cômico entre ele e seu guia, incluindo uma piada sobre a bizarra peruca que Chico insistia em usar. Se os espectadores ficam em dúvida sobre a veracidade dessas situações cômicas, durante os créditos finais vemos o próprio Chico dando voz a essas engraçadas histórias.

A caracterização do protagonista é outro atrativo do longa. Interpretado por 3 atores, o menino Matheus Souza na infância, Ângelo Antônio na juventude e Nelson Xavier na maturidade, Nelson certamente é quem mais se aproxima do original. A semelhança física do ator com o médium já impressionava a todos quando Chico ainda era vivo, fato que fazia dele o único e ideal candidato ao papel. Agnóstico convicto e receoso do convite, Nelson acabou aceitando e mergulhando de tal forma na persona de Chico Xavier que até as suas convicções religiosas foram abaladas. Aliás, citando a questão religiosa, quem pensa que irá ao cinema ver um filme meramente espírita, se surpreenderá em ver o quanto a mensagem de solidariedade ao próximo do protagonista passa por qualquer tipo de religiosidade.

Ao contrário de Lula - O Filho do Brasil (2010), Chico Xavier se apresenta como uma biografia sincera, sem melodramas, desmistificando o santo e o transformando em homem. Talvez por conta disso, além do forte apelo da figura do médium, o filme poderá ter a grande bilheteria que Lula não teve. Arrastar multidões em seu entorno já era a regra quando Chico era vivo, mas todos os procuravam justamente para ouvir as vozes dos mortos. Sua própria morte parecia algo impossível, porém ele mesmo afirmava que iria deixar a terra justamente no dia em que todos os brasileiros estivessem muito felizes. Chico desencarnou em 30 de junho de 2002, quando o Brasil inteiro comemorava o penta-campeonato de futebol. Agora a cinebiografia lançada em seu centenário pode atrair o público de um país de grande veia mística, independente de uma religião pré-definida, que se sente fortemente polarizado pelos mistérios em torno das façanhas de Chico Xavier.

Crítica publicada no site Omelete em 01/04/10.

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