O meio do fimÉrico BorgoSe
Harry Potter e o Enigma do Príncipe foi o início da "trilogia" que vai encerrar a maior franquia cinematográfica de todos os tempos,
Harry Potter e as Relíquias da Morte, apesar da Parte 1 do título, é o meio. Sendo assim, fica difícil analisá-lo com os mesmos critérios normalmente empregados em críticas cinematográficas. Como fragmento de algo maior, este Harry Potter simplesmente não se sustenta como entretenimento casual, com começo, meio e fim. Para apreciar
Relíquias da Morte - Parte 1 é preciso ser devotado à franquia.
Referências a um sem-fim de detalhes dos outros filmes - e livros -, todas imprescindíveis para a compreensão deste capítulo, tornam esta uma experiência totalmente dedicada aos fãs. Há quem entenda isso como uma aberração cinematográfica, mas definitivamente esta produção não é voltada a esse tipo de público. É justamente o respeito às pessoas que estão há uma década ao lado de Harry, Ron e Hermione, algumas que, literalmente, cresceram ao lado do trio, o que torna este filme tão especial.
A decisão de dividir o último dos livros da saga Harry Potter, um dos maiores em volume, em dois filmes, ainda que funcione maravilhosamente bem dentro das intenções mercadológicas da Warner Bros., é excepcional em termos de fidelidade narrativa ao material original. Com 2h30 de duração para cobrir 60% do livro, a adaptação tem tempo de sobra para levar os acontecimentos do romance às telas sem os atalhos que os demais filmes se acostumaram a fazer. Tanto que isso até evidencia os defeitos dos demais, cheios de cortes em nome da duração mais curta, algo que rende mais sessões por dia (e por consequência, lucro). Analisemos por exemplo, Dobby, o elfo doméstico (voz de Toby Jones). O personagem teve destaque no cinema no segundo filme e depois desapareceu das telonas, ainda que na série literária tenha permanecido relevante. Assim, sua volta no sétimo filme, cheio de importância, parece completamente gratuita para quem apenas o conhece do cinema.
Nada que prejudique a diversão, porém, para a verdadeira nação de fãs do jovem bruxo, que conhecem cada uma das referências, entendem a relevância dos personagens e subentendem acontecimentos.
Ainda que entendam perfeitamente seu público-alvo, o diretor David Yates e o roteirista Steve Kloves, pela terceira e sexta vez na série, respectivamente, não se acomodam no que comprovadamente funciona para essas adaptações ou limitam-se em entregar o esperado. Uma das preocupações que mais devem ser exaltadas na série Harry Potter é justamente esse crescimento contínuo. Cada um dos responsáveis pelos filmes deu aos fãs um pouco mais de qualidade cinematográfica, desenvolvendo conforme as histórias ficavam mais complexas e discutiam temas mais densos, e
Harry Potter e as Relíquias da Morte - Parte 1 mantém essa tendência.
O tom da adaptação continua sombrio, como Yates já tratava elegantemente a série desde o quinto filme, mas desta vez há sequências ainda mais adultas, violentas (prepare-se para alguma tortura e sangue) e dramáticas, tanto que fica difícil classificá-la como uma fantasia. Há, claro, três ou quatro cenas de ação, mas elas estão muito distantes dos animados embates dos primeiros capítulos da franquia. Entre cada uma delas há longas (corajosamente longas, pensando na grande parte do público acostumado a esse tipo de produção) cenas em que muito pouco acontece além da tensão recorrente da solidão de três adolescentes tendo que, pela primeira vez em suas vidas, assumir as rédeas de seus destinos, sem professores, pais ou responsáveis.
Essa nova realidade, distante dos muros protetores de Hogwarts, dá ao trio protagonista (Daniel Radcliffe, Emma Watson e Rupert Grint) seus melhores momentos na série como atores. Especialmente Grint, que enfim consegue deixar de ser o amigo-alívio-cômico para disputar de igual para igual com Radcliffe o foco da atenção. Não é por acaso que Martin Scorsese andou dizendo que o ruivo é o "próximo Leonardo DiCaprio". Ele realmente aprendeu a atuar.
A trama começa com a ameaça dos Comensais da Morte de Lorde Voldemort (Ralph Fiennes) ganhando proporções alarmantes, tanto que Harry, Ron e Hermione precisam tomar providências para proteger seus familiares. Com o inimigo enfim agindo impunemente, é preciso esconder Harry Potter, que se torna a última esperança da resistência dos bruxos para impedir o reinado de Voldemort. Com a queda do Ministério da Magia, porém, a situação se complica - e os três amigos partem em busca dos únicos artefatos que podem parar de uma vez por todas esses eventos: as horcruxes.
Essa busca é evidenciada pela bela fotografia de Eduardo Serra, novato na franquia, que traz cores e grandiosos cenários naturais até então inéditos à saga. Outro que traz novidades é Alexandre Desplat, cuja trilha sonora evoca quase nada os temas fantasiosos iniciados por John Williams. É ótimo ver esse tratamento adulto de um tema nascido para crianças - Harry Potter, com tudo isso, cumpre seu papel como formador de público, refinando olhares e desenvolvendo em seus fãs o apreço pelo tempo do cinema. Infelizmente, não termina - a Parte II só em meados do ano que vem -, ou poderia ser o melhor filme da série até aqui, algo que, se tudo continuar na direção certa, deve acontecer depois de 15 de julho de 2011.
Fonte: Site Omelete